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A maior aventura de um ser humano é viajar, e a maior viagem que alguém pode empreender é para dentro de si mesmo. E o modo mais emocionante de realizá-la é ler... Augusto Cury
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Assentou-se longe das lamparinas e passou a gemer por lá mesmo. Os jornais sujavam ligeiramente sua saia rosada, da comida que Britinho havia mendigado por lá. Sentia-se suja, na verdade, até de alma. Como já não havia resgate, deixara a saia sujar, como mostra de orgulho falacioso pela imundície.
O pranto ora fazia-se doce. Era o sono que quase já a tomava — chegava lento, confortável e quase que socorria. Dormiria por lá? Talvez devesse arranjar novos jornais. Marieta enxugou o pranto, ergueu o rosto esgrouviado quase que de forma atrevida. Levantou-se e foi-se a buscar novos jornais.
Passou pelo irmão Britinho, que deitado ao chão nu, erguia as pernas ao alto e batia os pés sobre a parede. Lembrou-se da banca da Avenida das Luzes — próxima ao beco, que, propositalmente, era bem iluminada — lá poderia arranjar jornais limpos. Dormiria quase que confortável, porque queria mesmo era arranjar um colchão velho e uns trapos, e dormir feito dorme sua irmãzinha e a velha. Marieta já se conformara de que não podia ser cobiçosa.
Ajeitou as folhas num canto do beco, onde a umidade não pudesse tomá-la tanto... Estava perto da irmã e da velha. Cobria-se desajeitada, talvez por causa do vento. Sentia-se incomodada com os barulhos de Britinho: esses eram mais incômodos do que os que se faziam na Avenida das Luzes — desordem de bêbados, de buzinas e festas de gente privilegiada. Os barulhos de Britinho eram de felicidade excêntrica, conformista, infundada.
Um sopro de revolta atrapalhava o seu sono.
Mas, fechou os olhos com muita força. Agora queria realmente dormir! Não lhe podiam tirar o sono, já que era este uma alegria de todas as noites. Marieta sempre aguardava ansiosa a hora do sono; nunca tivera pesadelos... quando dormia deparava-se com um mundo afável!
O corpo incomodava... Seu corpo era objeto de asco, de desejos violentos, de cobiças rejeitáveis. O corpo de Marieta não a pertencia, era de qualquer um — principalmente. Dor, dor, agonia quase que interminável... Marieta queria chorar, mas virou-se, desistindo da idéia por considerá-la covarde. Era provável que conseguiria resistir.
E parecia mesmo que o martírio a perseguia. Talvez não devesse dormir, talvez fosse um aviso de Deus — pensou, no desespero. Um besouro decorria ligeiramente a perna nua de Marieta... Olhava para a irmã: essa sim era feliz! Nascera há alguns meses, não sabia contar, pois o tempo lhe passava despercebido, estava a viver, somente. Mas queria, que nem a irmã, ter o afago da mãe, poder dormir no colo, descansar lá a cabeça pesada, suja...
“Velha filha-da-puta; eu queria tanto...” — e os olhos de Marieta delicados, mas sofridos, lagrimejavam um pedido de humildade mesclada com ódio. Fechou-os, empurrando o besouro para a esquerda.
Ao nascer do sol todo o beco já era tomado por agitações: carroças que estreitamente eram empurradas, bêbados amanhecidos, crianças esfaimadas e berrantes. Marieta acordou com a fumaça do fumo da velha, perturbando a cara e levando-a com forças à realidade. Levantou-se, alongou-se, mas não tinha tempo para tolices, para vaidades... Foi-se logo para o ponto principal da Avenida das Luzes.
Ana Karina Frank Corrêa(1987), diz possuir a idade estúpida de 19 anos e que julga-a assim por talvez causar-lhe tantos impedimentos. Não tem textos publicados em livros.